segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

#DE OLHOS FECHADOS - Crônica de ARTUR DA TÁVOLA


     " Há centenas de situações na vida, momentos de espera, uma viagem, uma sesta, enfim, vários, em que podendo fechar os olhos, não o fazemos. E entretanto é uma maravilha.

  Aprendi por mim mesmo a ter dois comportamentos de olhos fechados. Um é o da meditação: deixo fluir o que me vem à mente, sem exercer qualquer controle racional ou pensamento dirigido. O que a mente fizer jorrar como uma fonte de água, é aceito sem censura. Nada de dirigir o pensamento para algo, um problema, uma recordação. A mente em seu fluir errático é que comanda. Às vezes o fluxo começa desordenado e caótico mas com uns dez minutos, tudo vai se ajeitando e a gente pode ou não até entrar no sono fisiológico. O descanso que se segue é inimaginável. No caso de entrar no sono fisiológico, isto é, dormir um pouco ou cochilar, basta um minuto de desligamento total para que um fluxo de energia nos invada, prazenteiro. Mas se não cochilar, tudo bem. O fato de os pensamentos dimanarem livremente tem um potencial enorme de descanso e pacificação. E muitas vezes sem que se tenha fechado os olhos com essa finalidade, aparece magicamente a solução para algo que inquietava ou espoca, naturalmente e sem esforço, uma boa idéia. É formidável.   

  O outro comportamento que aprendi por mim mesmo, de olhos fechados é o do transporte e da sintonia. Aqui, em vez de deixar o pensamento fluir venha como vier, eu cenarizo, sim, faço um cenário imaginário, fixo-o bem na memória, com detalhes, e ali entram coisas, lugares e pessoas reais, vivas ou mortas. Ou então busco uma sintonia com o que me parece ser uma corrente de sintonia proveniente de espíritos de muita luz. E faço, sim, algum esforço de concentração para entrar em sintonia com aquela vida, seja atual ou remota. Por exemplo: certa vez, entrei, numa suave manhã de outono em uma Igreja pequena que existe numa ladeira de Santa Tereza. Ninguém lá. A paz era tanta que jamais me esqueci do fato. Pois de olhos fechados volta e meia retorno à Igreja e lá coloco mentalmente quem desejo, rezamos juntos ou pura e simplesmente apreciamos a paz. Tento reter e ampliar a sensação lá sentida. Retenho. E amplio. E como nesta experiência, repito muitas outras de minha vida. Por exemplo: amei, emocionado, a cidade de Bruges, na Bélgica. Pois para lá me transporto mentalmente, levo quem quero, vivo ou morto e faço um certo esforço (relativo) de recordar ruas passagens, aquele rio, algumas árvores inesquecíveis, converso com as pessoas ou a pessoa a quem levei e ambos vibram em uníssono com um sentimento comum que é mais um assentimento que outra coisa.

   Cito esses poucos exemplos mas possuo dezenas de cenários para onde me transporto de olhos fechados e vivencio tão fortemente que ao voltar para este mundo real chego a sentir pena de interromper a viagem. Terrível é quando chega alguém e interrompe tudo falando comigo ou se sai para a pior das brincadeiras para quem medita: “Acorda, isso não é hora de dormir”. Outro campo maravilhoso para os olhos fechados é a música. Não duvidem. Ouvir música de olhos fechados, deixando o pensamento livre é uma das maiores felicidades da vida.

    E felicidade não é para quem quer. É para quem pode…"


Artur da Távola, o pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros, foi um advogado, jornalista, radialista, escritor, professor e político brasileiro. Faleceu em  9 de maio de 2008, Rio de Janeiro.
Achei essa crônica inspiradora, assim como o Artur  fazia, eu também tenho os meus lugares de transporte afetivo e sempre vou  para Berlin, passeio pelas ruas, parques, sento em cada banco de praça que vejo, admiro sua arquitetura, monumentos e lembro das pessoas que via pelo ônibus andando de bicicleta.  Sempre me lembro de uma jovem de bicicleta que sempre usava uma flor na cabeça, uma tiara acho. Do respeito ao trânsito .Chovendo, sem carro vir, os pedestres esperavam o sinal abrir.  Mas  lembro que certo dia,  uma pessoa resolveu furar essa regra e um senhor , já idoso, aguardava conosco o sinal abrir, falou em seu alemão incompreensível várias palavras , que pelo  seu tom  de voz deveria  ser algo bem censurável para aquele ato.

 Vejo sempre um casal  muito bonito, de uns 75 anos os dois, super atléticos, musculosos, chegando  de bicicleta com várias mochilas, acho que estavam mochilando pela Alemanha. Achei o máximo, acompanhei enquanto pude, todos os movimentos deles.  
Outro lugar que sempre visito é a praia de Atafona, em São João da Barra, RJ, as árvores casuarinas, o silêncio cortado pelas ondas fortes do mar, as dunas , o povo cortês.
 Lugares bons para ancorar o espírito, afinal  o pensamento é livre e reabastece-lo de lembranças positivas, afirmativas de afeto e amor nos transporta para o sonhar "acordada",  acessar memórias  projetadas em um  tempo criado por nós.
E quando desperta, as fotografias acendem o encanto, que se  transformam em transportes novamente.
Creio que cada um deve ter o seu refúgio  de paz,  de memórias afetivas , de conversar com elas. É tão reconfortante.
Jane

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