quarta-feira, 9 de novembro de 2011

# POLÍTICAS SOCIAIS, MOVIMENTOS SOCIAIS E OS DIREITOS HUMANOS






PARTE I
Analisar as questões das políticas sociais no Brasil, em sua realidade hoje existente é necessário pensarmos um pouco nos determinantes históricos envolvidos neste processo. Assim como nós somos frutos do nosso passado e da nossa história, as questões da educação, dos movimentos sociais e dos direitos humanos, sofreram influências de todo o contexto político social pelo qual o Brasil passou no decorrer do tempo.
Vamos encontrar no Brasil nos anos 1960 e 1970, mesmo diante de forte repressão policial, as manifestações dos movimentos sociais que não se calaram diante deste período da ditadura. Havia reivindicações por educação, moradia e pelo voto direto. Culminando em 1980 com a significativa manifestação social conhecida como "Diretas Já”. Inegavelmente os movimentos sociais dos anos 70-80 contribuíram de forma determinante com pressões organizadas, reivindicações em praça pública, greves, que garantiram vários direitos sociais que foram expressos em leis na Constituição brasileira em 1988. Nos anos 90, o MST (Movimento dos Sem Terra) e as ONGs tiveram destaque, ao lado de outros sujeitos coletivos, tais como os movimentos sindicais de professores.
No governo de Fernando Collor de Mello (1990/19922) as tentativas de implementação do projeto neoliberal, apresentou situações de grande impacto para a sociedade brasileira, como: extinção de órgãos públicos, venda de empresas estatais, colocação de funcionários públicos em disponibilidade, sequestro da caderneta de poupança, atos estes que culminaram com o impeachment do presidente, nesta constatação de corrupção e desmonte do Estado.
Com o neoliberalismo no Brasil na década de 90 instala-se o desemprego estrutural que tende para o aumento de programas sociais, as demandas do capital em torno dos superlucros apontam para a diminuição dos gastos sociais. Tendo como resultado, um processo conflituoso de negociação e luta de classes e seus segmentos, que se colocam em condições desiguais nas arenas de negociação disponíveis no Estado democrático de direito, o que leva a conflitos também extras institucionais.
Neste momento a política social atendeu às necessidades do capital e do trabalho, como questão de sobrevivência, configurando-se, nesse contexto da estagnação, como um terreno importante da luta de classes: da defesa de condições dignas de existência, em face da ofensiva capitalista em termos do corte de recursos públicos para a reprodução da força de trabalho. Nesta prática o neoliberalismo traz para o cenário social, político e econômico a questão do desemprego, aumentando o distanciamento entre pobres e ricos, tornado as políticas sociais praticamente inviabilizadas, para atender a estabilidade monetária em detrimento da demanda das políticas sociais para atender agora os “desfiliados sociais”.
SANTOS (2002) questiona as proposições liberais, segundo as quais a forma de democracia representativa modelo hegemônico na sociedade aparece como capaz de expressar as opiniões da sociedade e não somente as tendências dominantes do eleitorado. O autor considera que esse sistema facilita o pleito em escala ampliada, mas dificulta outras questões básicas no processo democrático: a prestação de contas e a representatividade de múltiplas identidades sociais. Para ele, os grupos minoritários não têm representatividade nos parlamentos, e a prestação de contas não se dá constantemente em debate com a sociedade, como se um mandato fosse revestido de um poder autocrático que não pressuporia a defesa dos interesses do eleitorado, que investiu seu voto em determinado representante. (SANTOS, 2002).
Em resposta a estes processos de lutas sociais às ações coletivas que tocam nos problemas sociais, denunciam, por exemplo, a concentração de terra, ao mesmo tempo que apontam propostas para a geração de empregos no campo, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); ações coletivas que denunciam o arrocho salarial , através de greves ,ações coletivas que denunciam a depredação ambiental e a poluição dos rios e oceanos ,ações coletivas que têm espaço urbano como foco para a visibilidade da denúncia, reivindicação ou proposição de alternativas.
Os direitos políticos, para CARVALHO (2001) em última instância, significam a participação dos cidadãos nos governos através da representatividade, quando estes governos reduzem sua esfera de autonomia, esta participação perde consideravelmente sua relevância. Os direitos sociais encontram-se, também, profundamente afetados por conta do aumento da competitividade e/ou pela adequação dos Estados aos programas de diminuição dos déficits públicos para a obtenção de capitais internacionais. Estas duas questões ocasionam uma pressão para a redução do valor da mão-de-obra e para o corte de direitos sociais adquiridos.
Na questão das políticas sociais voltadas para educação. O Conselho Nacional de Educação, em função da regulamentação da LDB Nº 9394/96, por meio do Parecer Nº 11, de maio de 2000, reconhece a EJA como uma “dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais na escola ou fora dela (...), em que a ausência de escolarização não pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do analfabeto ou iletrado como inculto (...)” (Parecer Nº 11/ 00, CNE).
Para Vera Ribeiro, as políticas de intervenção nesse campo devem fundar-se numa visão integrada dos processos de aquisição, manutenção e desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita entre crianças, jovens e adultos, no trabalho, na escola, na família e nas organizações da coletividade, estabelecendo nexos entre a educação básica e a educação continuada. (...) Um, dois e até três anos pode ser o tempo despendido para se atingir um nível básico de habilidade (RIBEIRO, 1998:11).
Como afirma Norberto Bobbio:

"É fato hoje inquestionável que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, colocou as premissas para transformar os indivíduos singulares e não apenas os Estados, em sujeitos jurídicos de direito internacional, tendo assim, por conseguinte, iniciado a passagem para uma nova fase do direito internacional, a que torna esse direito não apenas o direito de todas as gentes, mas o direito de todos os indivíduos. Essa nova fase do direito internacional não poderia se chamar, em nome de Kant, de direito cosmopolita?"
Em nosso entendimento, um projeto de instauração da Cidadania no país deve considerar o estabelecimento da igualdade entre todos os indivíduos na discussão dos assuntos públicos. Isto porque a política não se resume à atitude passiva dos indivíduos, agora reduzidos ao papel de eleitores (CASTORIADIS, 1987).
A democracia pressupõe debate dialético entre todas as categorias sociais, a participação coletiva e a luta por direitos não adquiridos. Assim, entende-se que o cidadão, sob a perspectiva democrática, é aquele que desfruta da autonomia, constituindo-se em alguém que pode questionar não apenas a lei, mas a própria sociedade, criticando, radicalmente, seus hábitos, valores e estrutura (CASTORIADIS, 1987).
Segundo a reportagem de Daniella Jinkings, da Agência Brasil, publicada pelo site EcoDebate, em 07/04/2011,um estudo divulgado pelo Processo de Articulação e Diálogo(PAD) aponta que a criminalização dos movimentos sociais tem se acentuado nas duas últimas décadas .Além de assassinatos e ameaças , os defensores de direitos humanos também se tornaram alvos de ações criminais e policiais ilegais.“Durante esta semana, uma delegação composta por líderes de movimentos sociais denunciarão ao Congresso Nacional e às embaixadas estrangeiras abusos praticados pelo Estado e pelas empresas transnacionais.” Este relatório enfatiza o processo de criminalização das lutas sociais, dizendo que o Estado utiliza a estratégia de forças conservadoras para barrar o avanço dos direitos humanos, econômicos, culturais e ambientais.
O resgate da história nos faz compreender e reconhecer que os movimentos sociais, o voluntariado e a participação popular sempre estiveram presentes nas sociedades em todos os tempos e lugares, sempre houve homens dominando homens, homens lutando – uns pela conquista de direitos e contra a opressão e outros pela manutenção do mando e do poder. Continuando a ser estes movimentos, os elementos fundamentais na ocupação dos espaços de luta por uma sociedade mais justa e igualitária, na qual a cidadania sai do discurso e se constrói na prática através da conquista, consolidação e ampliação dos direitos.
Segundo Rubens Fernandes, antropólogo, “o Terceiro Setor é composto por organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase da participação voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade a prática tradicionais da caridade, da filantropia, do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil.”
O envolvimento do serviço voluntário faz-se presente ocupando vários setores no que refere-se à alfabetização, pessoas que são tecnicamente treinadas para atender uma clientela carente geralmente em pontos periféricos. Quase sempre selecionadas dentro do próprio meio cultural, para melhor interação. Permite parcerias comunitárias, envolvem Igrejas, centros comunitários, postos de saúde locais e adjacências, partilhando do mesmo ideal.
Profissionais, estudantes e funcionários de instituições da sociedade civil (ONGs, associações comunitárias, fundações, universidades, empresas, etc.) o voluntário enquadra-se em vários setores da sociedade. O exercício da voluntariedade parte da conscientização de que a educação deve ser pra todos. Vem de uma filosofia que diz: “a educação é poder”, fazendo relação entre o ensino e à autonomia enquanto cidadão para desenvolver a democracia contribuindo com a sociedade estabelecendo harmonia no seio social sustentado pela paz, respeito mútuo e na justiça.
Um dos aliados destes Movimentos Sociais é o Fórum Social Mundial (FSM) é um evento altermundialista organizado por movimentos sociais de diversos continentes, com objetivo de elaborar alternativas para uma transformação social global. Seu slogan é “Um outro mundo é possível”. É um espaço internacional para a reflexão e organização de todos os que se contrapõem à globalização neoliberal e estão construindo alternativas para favorecer o desenvolvimento humano e buscar a superação da dominação dos mercados em cada país e nas relações internacionais.
DEMO (1997) diz que a participação é conquistada para significar que é um processo, no sentido legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo. Assim, participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista processual. Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a regredir.
A alfabetização de adultos tem um papel essencial na erradicação da pobreza no aumento das possibilidades de emprego, na qualidade de vida, na promoção e participação democrática. É um forte instrumento de inclusão social. Entendemos que a alfabetização é um elemento propulsor do exercício consciente da cidadania e do desenvolvimento de nossa sociedade. É a possibilidade de começar a abrir as portas para responder a pergunta: Quem eu sou?
No Brasil temos segundo o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA ( 2009) 16,295 milhões de pessoas incapazes de ler e escrever. Levando-se em conta o conceito de “analfabeto funcional” que inclui as pessoas com menos de quatro séries de estudo concluídas, que não têm habilidade para interpretar textos, escrevem frases curtas, ou na maioria das vezes sabem somente escrever o nome, ou como dizem, desenham o nome, nesta ordem o número salta para 33 milhões.
Segundo o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, com a chancela da UNESCO, realiza desde 2003 o PROGRAMA BRASIL ALFABETIZADO (PBA), voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos. É desenvolvido em todo o território nacional, com o atendimento prioritário a 1.928 municípios que apresentam taxa de analfabetismo igual ou superior a 25%. O público alvo é todo cidadão analfabeto a partir de 15 anos, para atender ao direito constitucional que todo cidadão brasileiro possui de ter acesso à educação e consequentemente de ler e escrever.
A grande concentração dos analfabetos nas capitais é um fato, poderia ser uma vantagem para o governo implementar sua política de erradicação do analfabetismo, por causa da infra-estutrura, meio de transporte, porém essa não é a realidade, pois nas grandes cidades não há tempo para nada nem disposição política para implementar ações para educar os analfabetos.
No Brasil, 35% dos analfabetos já freqüentaram escolas. As razões para esses fracassos no sistema educacional são variadas, como: escola de baixa qualidade, principalmente nas regiões mais pobres; trabalho precoce, para sustentar a família pois os pais não possuem emprego ou ganham muito pouco; a baixa escolaridade do país; despreparo da rede de ensino para lidar com essa população; entre outros.
Pensando nestas questões que já se apresentam no Brasil desde muitos anos, FREIRE (1997) nos mostra que um dos principais eixos da educação libertadora é o combate acirrado à dominação e opressão dos “de baixo”. Esses podem ser entendidos como os excluídos da sociedade capitalista, os “demitidos da vida”, os “esfarrapados do mundo. A alfabetização de adultos proposta por ele, procura resgatar a dignidade daqueles que durante toda a vida construíram a riqueza de uma nação, e pelo preconceito, pela fadiga e pelo cansaço não conseguem mais gerar o lucro dos patrões os “de cima” e, por isso são considerados descartáveis.
A obra de Freire tem por base a pedagogia crítico-educativa, tendo como eixo o homem enquanto sujeito inacabado, ela se expressa por uma educação militante, colada aos setores populares e aos marginalizados da sociedade capitalista, uma pedagogia libertadora. Por seu lado, a prática crítico-educativa proposta pela educação libertadora de Paulo Freire, pode servir de importante instrumento de emancipação do homem diante da opressão, pois, ela aponta no sentido da intervenção prática no ambiente do cotidiano escolar, de forma dinâmica, transformadora, considerando, a todo instante, a realidade concreta, singular e peculiar de cada educando. A proposta de Freire sempre primou por considerar as experiências que cada educando já traz de seu ambiente extra-escola, utilizando-as para estimular uma nova práxis educacional.
A pedagogia freireana apresenta, a dialogicidade como essência da educação libertadora mostrando caracteristicas necessárias para que se concretize. São elas: a colaboração, a união, a organização e a síntese cultural. (FREIRE,1983).
Nesse estudo, buscamos mostrar a relevância das ações voluntárias que mesmo colocando-se modestamente como uma possibilidade de escolha para a população alvo, em nosso caso específico, moradores em situação de rua não alfabetizados, abre espaço para estabelecer um diálogo com esta realidade, convidá-los para uma sala de aula, possibilitando o vir-a-ser, de encontrar-se consigo mesmo através da relação dialógica que precisamos estabelecer como seres no mundo poderá gerar um acolhimento, que poderá quebrar os estigmas e assim se efetivar uma prática emancipatória.
A construção da cidadania brasileira fez com que os direitos sociais tivessem sido ampliados em períodos ditatoriais, com liberdades civis e políticas suspensas. A grave conseqüência disso foi a excessiva valorização do Poder Executivo para a solução dos problemas sociais, ao mesmo tempo em que se desvaloriza as atitudes “políticas” da sociedade, ou seja, qualquer mobilização das camadas populares é considerada uma afronta à ordem, colocando em risco a democracia (CARVALHO, 2001). Somado a este panorama, o Brasil possui importantes falhas no sistema educacional, considerável poder dos defensores do latifúndio, grande número de analfabetos e perdura ainda a crença de que a democracia resume-se ao ato obrigatório de votar.

 Jane (Parte de minhas reflexões para  monografia de pós graduação em Saúde Coletiva - Tema : A possibilidade de construção da autoestima na alfabetização de adultos com moradores em situação de rua)


REFERÊNCIA
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